Shikida, do Degustibus, lembrou do famoso prefácio à edição alemã da Teoria Geral, de John Maynard Keynes. É coisa que keynesianos não gostam de ouvir falar, mas boa parte deles endossa, pelo menos os da seita brasileira: propoem frequentemente a elevação de gastos públicos como política anticíclica, para combater uma recessão, mas raramente propoem a redução de gastos do governo como política anticíclica quando a economia se encontra na parte expansiva do ciclo (digo raramente, embora eu ainda não tenha tido conhecimento deste argumento da parte de keynesianos brasileiros). Desta forma, os ditos keynesianos brasileiros são favoráveis ao crescimento permanente do tamanho do governo (tornando-os ideologicamente aceitáveis pelos marxistas), o que deve fazer Keynes rolar na tumba. O fato é que mesmo o jovem Keynes, o da Teoria Geral, não endossava regimes totalitaristas. Diz-se que, em uma carta a Joan Robinson (que era socialista), Keynes escreveu que quando e se uma revolução socialista ocorresse na Inglaterra, ele estaria na trincheira do lado oposto ao dela. No entanto, Keynes via como inexorável (não como argumento teórico, porém decorrente da observação empírica da situação política européia) o crescimento do governo (note-se, crescimento em relação ao tamanho dos governos no início do século XX, bem abaixo de 20% do PIB e mais abaixo ainda dos atuais 40 a 50% dos países mais ricos) com maior envolvimento em investimento, sendo contra investimentos na indústria bélica (que era a experiência da Alemanha nos anos 30, um dos primeiros países a sair da grande depressão) e favorável a construção de escolas e museus, entre outras atividades.
E o Keynes pós Teoria Geral? Mario Rizzo, do Think Markets, faz a seguinte citação:
“Organized public works, at home and abroad, may be the right cure for a chronic tendency to a deficiency of effective demand. But they are not capable of sufficiently rapid organisation (and above all cannot be reversed or undone at a later date), to be the most serviceable instrument for the prevention of the trade cycle.” (Keynes, Collected Writings, vol. XXVII, p.122 ).
Desta forma, ao contrário dos seus seguidores brasileiros, Keynes não era favorável ao crescimento permanente do governo como forma de estabilizar a demanda agregada.
Keynes entendia que a instabilidade do investimento privado era devido a incertezas a respeito de condições econômicas futuras e que ela estava na origem das flutuações do ciclo econômico, mas entendia também que a instabilidade de ações de governo -políticas discricionárias - não se constituia em um bom substituto. O governo deveria ajudar a prover um bom ambiente de negócios para reduzir incertezas sobre o futuro e assim reduzir a variabilidade das flutuações econômicas. O argumento completo desta interpretação está aqui.
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2 comentários:
A "culpa" de Keynes foi dar um endosso teórico (em seguida enfeitada com "calculeiras" por Hicks, Champernowne, Reddaway, Meade e Harrod) para uma necessidade "fisiológica" dos políticos.
Como acertadamente concluiu Eichengreen (no entanto equivocadamente atribuindo o mérito a Polanyi), medidas austeras se tornaram inviáveis conforme avançou a democratização e, assim, a necessidade dos políticos de agradar aos eleitores, na maioria pobres. Ai vem Keynes e diz que era isso mesmo o que se devia fazer (interferir visando pleno emprego etc) e a coisa acelerou enormemente.
Hoje em dia vai ser difícil encontrar não só um keynesiano mas, enfim, um economista que vá contra intervenções a rodo. É uma questão corporativista: se um economista diz que é melhor o governo ser comedido, abster-se etc... corre o risco de perder o empreguinho estatal.
Ah... esqueci de dizer que os economistas viraram tecnocratas (ou aspirantes a) "graças" a Keynes. Em todo caso, Keynes, assim como Beveridge, eram bem mais moderados. Mas abriram a porteira.
Na contramão desse fisiologismo corporativista, os "austríacos" ou quaisquer "não keynesianos" são ridicularizados por seus colegas com - ou aspirando a ter - postos tecnocráticos.
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