sábado, 5 de setembro de 2009

Paul Krugman Sobre a Falência da Macroeconomia

Bom artigo do Paul Krugman, no NYT. Melhora ainda com este complemento. Alguns pontos merecem maior reflexão, no entanto. É verdade que poucos economistas de mainstream previram esta crise, mas isto não me parece uma crítica sólida à teoria macroeconômica, nem ao menos representa uma vantagem dos keynesianos ortodoxos: Diz-se que estes previram dez das últimas três crises. Tal qual os profetas do apocalipse, acreditam que a correção de suas previsões é demonstrada pela quantidade de vezes em que estiveram errados. Nem tampouco o próprio Paul Krugman tem o mérito de ter previsto esta crise. Mas isto é, como se diz, café pequeno.O que talvez Krugman tenha subestimado é a diferença entre informação pública e informação privada. Em macroeconomia, economistas trabalham com dados agregados (nem sempre) e publicamente disponíveis. Raramente um analista tem a mesma informação privada que um practitioner tem quando toma suas decisões. Muitas vezes nem mesmo os practitioners têm toda informação relevante quando tomam decisões. É claro aqui que temos o problema de informação assimétrica, que é o tratamento analítico que economistas convencionais dão a problemas de bolhas de ativos e crises financeiras. Economistas convencionais não são tão cegos assim a problemas do "real world", como Krugman sugere.

Outro problema do argumento do Krugman diz respeito à importância de comportamentos irracionais. Assumir a existência de irracionalidade não nos permite prever tais comportamentos, pois afinal existem inúmeras maneiras de se comportar irracionalmente. A nota complementar do Krugman citada acima, já corrige o erro: "Actually, let me put it this way: the economy is a complex system of interacting individuals — and these individuals themselves are complex systems. Neoclassical economics radically oversimplifies both the individuals and the system — and gets a lot of mileage by doing that; I, for one, am not going to banish maximization-and-equilibrium from my toolbox." Talvez o mais correto na linha de argumentação do Krugman teria sido afirmar que comportamento racional individual não é fundamento suficiente para racionalidade coletiva, argumento este já feito por Mancur Olson décadas atrás. Problemas de coordenação, custos de transação, assimetria de informação e incentivos políticos permeiam a atividade econômica e tornam o quadro muito complexo para que modelos simples possam capturar corretamente todas as dimensões relevantes do problema. Isto não é um problema da macroeconomia em si, mas um problema geral de aplicar modelos simples ao entendimento de sistemas complexos.

Outro argumento do Krugman é que economistas convencionais ignoraram a possibilidade de existência de crises em seus modelos. Uma interpretação mais crítica é que isto equivale a criticar médicos por não terem previsto e preparado a vacina contra a gripe H1N1 antes de sua eclosão. Neste caso, o fato importante é que, dada a sua eclosão, o conhecimento em medicina permitiu a fabricação de vacinas, assim como o conhecimento em teoria macroeconômica permitiu a atenuação da crise, evitando que esta se transformasse em uma nova Grande Depressão. Uma interpretação mais simpática, que eu endosso, é que alguns economistas (em macroeconomia, em particular), dado o sucesso relativo de políticas econômicas liberais dos últimos vinte anos, desconsideraram a possibilidade de crises e reversões de política, fazendo as perguntas erradas. Os resultados dos modelos dependem obviamente do que se pretende obter deles.

No entanto, as críticas de Krugman à macroeconomia convencional não tornam sua interpretação da crise necessariamente correta: ele tem uma fé exagerada tanto nos multiplicadores do dispêndio quanto na capacidade de governos de tomar decisões corretas. Da mesma forma que acusa a macroeconomia convencional de ignorar aspectos relevantes da realidade, ele também pode ser acusado do mesmo pecado ao ignorar as contribuições de Escolha Pública e Economia Institucional.

Finalmente, minha crítica à macroeconomia é não dar a devida atenção às restrições que operam sobre o conjunto possível de ações de política. A análise macroeconômica pode ser feita em três níveis: políticas, regimes e instituições. Regimes de política restringem as escolhas de política macroeconômica (regime de metas de inflação, por exemplo), enquanto que instituições restringem a escolha de regimes (populismo impede a adoção com sucesso do regime de metas de inflação, socialismo impede a adoção de mercados organizados, má definição e enforcement de direitos de propriedade pioram as perspectivas de crescimento econômico de longo prazo, etc.). O conhecimento do impacto de instituições sobre a atividade macroeconômica é essencial para entendermos melhor os efeitos da adoção de determinados regimes e políticas econômicas, mas este argumento ainda não faz parte do arsenal do macroeconomista convencional. Mesmo o Krugman deve saber, de sua própria experiência, que é muito difícil dominar as contribuições de várias áreas do conhecimento. Mais difícil ainda é combiná-las para aumentar o poder explicativo e preditivo da ciência.

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