Galinhas são aves abundantes e pouco interessantes. Todo mundo já viu uma e sabe como elas são, mas poucos reconhecem as de uma variedade implume, que habitam a América do Sul e, a despeito de serem muito maiores que as galinhas normais e estarem entre nós, não passam de galinhas.
Em decorrência da evolução das espécies, os antepassados das aves são os dinossauros. Algumas espécies evoluíram para aves predadoras, como a águia; outras evoluíram para presas, como as galinhas. Uma das características mais marcantes que diferencia as presas dos predadores é a posição dos olhos: enquanto os predadores têm os olhos voltados para frente para identificar e focar seus alvos, as presas têm seus olhos postados lateralmente, para ampliar ao máximo sua amplitude visual e detectar mais facilmente a presença de perigo. Assim como as galinhas. Mas as galinhas ainda têm uma característica mais marcante: elas têm uma caixa craniana diminuta, um cérebro menor ainda e uma capacidade de entender o ambiente à sua volta idem.
A dificuldade que as galinhas têm de entender o ambiente à sua volta gera um comportamento eficiente, que permite a sobrevivência de sua espécie: elas entram facilmente em pânico. Como elas não conseguem entender o que acontece à sua volta, pequenas mudanças no ambiente lhes provocam uma sensação indescritível de pavor: uma folha de árvore caindo, uma sombra se mexendo ou mesmo a mudança do vento as faz entrar em pânico e sair correndo gritando. Este pânico é racional, pois seu cérebro diminuto as impede de distinguir rapidamente uma mudança natural do ambiente da presença de predadores. Galinhas em pânico têm uma forma eficiente de comunicação: quando uma sai correndo gritando, ao perceber a possibilidade de perigo, o melhor que as outras galinhas podem fazer é sair correndo gritando também. Além de avisar todas as outras, esta estratégia as torna uma refeição mais difícil para os eventuais predadores.
Vá o leitor até um galinheiro e pergunte a uma galinha quanto é dois mais dois. Diante da desfaçatez de sua presença e da complexidade de sua pergunta, todas elas entram em pânico. O mesmo ocorre com as galinhas tupiniquins que, a despeito do seu tamanho monstruoso e caixa craniana maior, ainda retêm a enorme dificuldade de interpretar o mundo à sua volta. Para a galinha tupiniquim, toda e qualquer mudança no ambiente é considerada como um sinal de perigo ao seu modus vivendi, embora algumas delas consigam, mesmo que lentamente, aprender a decodificar o ambiente. Poucos anos atrás, as galinhas tupiniquins saiam correndo e gritando “globalização, globalização”, para avisar as outras que também entravam em pânico. Como o bicho papão da globalização não se revelou o grande predador esperado e, pelo contrário, promoveu melhorias na qualidade de vida, inclusive das galinhas tupiniquins, várias delas aprenderam a lição e não mais se assustam com isso.
Agora, com a crise financeira de 2008, as galinhas tupiniquins estão novamente em pânico. Sem entender o que está acontecendo, elas estão divididas em vários grupos, todas correndo, mas gritando coisas diferentes. Tem o grupo das galinhas messiânicas que, em pânico, gritam os nomes de seus profetas: “Marx voltou” ou ainda “Keynes ressuscitou”, como se invocar os nomes dos profetas as protegesse dos perigos do mundo, assim como o crucifixo confere proteção contra os vampiros. Algumas galinhas messiânicas, acreditando em um processo Srafiano de “produção de bobagens por meio de bobagens”, ensinam às neófitas a importância de Marx para entender a crise, pois o profeta teria compreendido, com um século de antecedência, os perigos que a securitização e os derivativos representam. Outro grupo de galinhas tupiniquins, pouco dotadas de valores religiosos, ao primeiro sinal de perigo sai correndo e gritando: “O Estado vai nos salvar”, acreditando que as raposas – supostamente de boa índole - encasteladas no “Estado” não lhes farão mal algum. Um terceiro grupo corre e grita “é o mercado de novo”, pois acreditam na existência de um ser mítico que habita seus pesadelos: ele tem uma enorme mão invisível que irá decepá-las a qualquer momento. Mas nada apavora mais as galinhas tupiniquins do que aquilo que representa a soma de todos os medos, seu pior pesadelo. Quando as galinhas tupiniquins saem correndo e gritando “neoliberalismo”, elas estão à beira de um ataque cardíaco.