Um dos maiores mistérios em economia é o fato de que o crescimento econômico não é algo fácil de ser obtido em boa parte das sociedades ao longo do tempo. Para crescer, em termos de aumentos na renda per capita, uma economia precisa acumular capital, inovar tecnologicamente e educar melhor sua população. Ocorre que essas ações dependem da estrutura de incentivos da sociedade, que são as regras do jogo de convivência social ou, em outras palavras, o seu arcabouço institucional. Para exemplificar, imagine uma sociedade caracterizada por dois tipos de atividades: pesca e pirataria. Pescadores aumentam o produto, piratas redistribuem o produto. O arcabouço institucional é decisivo para o crescimento econômico dessa sociedade: Se a pesca for uma fonte de riqueza pessoal e pirataria for coibida, existirão então os incentivos apropriados para inovar e escolher melhores tecnologias de pesca, para acumular capital e desenvolver conhecimento específico na arte da pesca. Por outro lado, se pirataria for a fonte de enriquecimento pessoal, mais pessoas devotarão esforços nessa atividade, os melhores talentos desenvolverão suas aptidões no execício de pirataria e haverá menos pescadores e peixe.
A questão é que se o arcabouço institucional da sociedade privilegia atividades de pirataria (o termo economicamente correto é
rent-seeking), que é detrimental para crescimento, por que não se consegue se livrar desse arcabouço? Em outras palavras, por que más instituições persistem? Não estaria tudo resolvido se pudessemos fazer um transplante institucional, de sociedades prósperas para as mais atrasadas e assim garantir uma nova trajetória em direção à prosperidade?
O problema é que não apenas o transplante institucional não é possível de ser completo, pois instituições informais (regras de comportamento oriundas do sistema de valores e cultura das sociedades) não são passíveis de transplante, da forma como se acredita ser as instituições formais (muito das reformas econômicas que países sofrem, como por exemplo desregulação, abertura econômica, etc. dizem respeito a mudanças nas instituições formais da sociedade). Sem mudanças nos valores, crenças e cultura, um novo conjunto de instituições formais em país certamente não levará ao mesmo resultado econômico de países que já o adotam.
Pode ser o caso também que, mesmo que um conjunto de reformas leve a uma nova trajetória mais desejável de crescimento, a maioria decide não implementá-lo. Um motivo geralmente apontado diz respeito à incerteza dos benefícios futuros esperados, quando comparados ao custo concentrado no curto prazo das reformas. Se se acredita que as reformas podem ser revertidas no futuro por uma coalisão política hostil, talvez não valha a pena nem iniciar o processo de reformas.
Uma outra possibilidade diz respeito à metáfora da situação dos caranguejos no balde, onde quando um deles está quase escapando do balde, ele é puxado novamente para dentro pelos outros tentando escapar. Esse é o interessante argumento de Raghuran Rajan (
ver aqui ou, para quem gosta de argumentos mais técnicos,
ver aqui). O argumento é o seguinte: subdesenvolvimento pode persistir mesmo em países democráticos e independe, portanto, do poder coercitivo das elites para extrair renda do resto da sociedade e manter o
status quo.
Imagine uma sociedade dividida em três grupos: a "zelite" monopolista, trabalhadores qualificados e trabalhadores sem qualificação. Para o país se desenvolver e entrar em uma nova trajetória de crescimento, duas reformas são fundamentais: abertura econômica e melhoria no sistema educacional (promovendo acesso à educação de qualidade a pessoas pobres de baixa qualificação). Qualquer reforma, para ser implementada, depende do apoio de pelo menos dois grupos. Aos trabalhadores sem qualificação certamente interessa a reforma educacional, enquanto que aos trabalhadores qualificados interessa a abretura econômica, pois aumenta a demanda por trabalho qualificado e lhes permite também acesso a crédito mais barato via sistema financeiro internacional. O argumento do Rajan é que não necessariamente os dois grupos conseguirão apoio para as reformas desejadas. A abertura econômica não é bem vinda pela "zelite", pois lhe retira poder de extrair renda do resto da sociedade, enquanto que para trabalhadores sem qualificação a abertura econômica pode piorar sua situação, ao encarecer preços de serviços e alimentação e ao gerar expectativas de maior desemprego por substituição tecnológica.
Por outro lado, trabalhadores qualificados não têm incentivos para apoiar uma reforma educacional, pois isto irá aumentar competição no mercado de trabalho e reduzir salário real. À "zelite", aumento de competição no mercado de trabalho e queda do salário real é conveniente, mas apoiar uma reforma educacional significa aumentar o apoio à abertura econômica pelo aumento do número de constituintes (trabalhadores qualificados) favoráveis à esta reforma. Ocorre que isto não é desejável para a "zelite" que estrategicamente retira o apoio à reforma educacional. Tal qual caranguejos no balde, nenhum grupo consegue apoio dos outros e a sociedade não escapa do subdesenvolvimento.
Será que essa explicação é adequada para entender o caso brasileiro? Se for, o trabalho de persuasão de um reduzido grupo de economistas acadêmicos, de institutos como o
IL,
Millenium,
IDERS,
Ordem Livre, etc. é fundamental para conquistar o apoio necessário a estas reformas.